A grande explosão
- Então, para tornar o desconhecido em conhecido – disse Antonio - o Homem imaginou muitos deuses que criaram o mundo, um fez o sol, outro fez a Terra, um terceiro fez as flores, e assim foi. Imagino que numa noite fria e estrelada como esta alguém cancelou tudo e disse que deus só existia um, e esse era Deus.
João e Pedro, de olhos grudados no céu da linda noite, filosofando as suas particularidades, não estavam atentos ao que Antonio dizia.
- Hein! O que você disse, Tonico?
- O que vocês sabem sobre Ele?
- Ele quem?
- Deus! O que vocês sabem sobre Deus?
- O que eu sei é o que eu ouço falar desde que era criancinha!
- E o que você ouve falar desde que era criancinha?
- Um monte de coisas!
- Diga uma coisa desse monte!
- Deus criou o mundo.
Criado o mundo criou-se o Homem e ele aqui está, sempre em devaneio, à procura de encrenca para si mesmo e para os outros. Agora mesmo estou tentando dormir, mas imaginando três pastores descansando em volta do fogo, depois de um dia inteiro tangendo as suas ovelhas. Seus cães, deitados ali perto, mexendo as orelhas, estão sempre à procura de sons estranhos. Parecem interessados na conversa dos três, que rebatem a friagem da noite com uma cachacinha esperta.
- Deus criou o mundo! – repete Antonio - É, acho que é isso mesmo! Quando alguma coisa aparece é porque, de algum modo, essa coisa foi criada!
Sem desgrudar os olhos das estrelas, lançando apenas um olhar meio enviesado para Antonio, Pedro dá seu palpite.
- João, parece que o Tonico tem alguma novidade a ser acrescentada sobre a criação do mundo!
- Tenho, sim, Pedro. Tenho uma coisa a acrescentar a esse velho tema, mas não sei se é alguma novidade.
João e Pedro trocam olhares, fazem caras de riso, servem-se de mais um trago, sem esquecer o trago de Antonio, acomodam-se e esperam.
- E, então, Tonico?
- A humanidade e tudo o mais que vive estão montados numa pedra, cavalgando por esse espaço imenso e escuro, sem nunca parar nem para tomar um cafezinho!
- O que é isso, Tonico? Ficou doido? Que pedra é essa?
- É apenas uma lasquinha de pedra girando por aí que só vai parar quando tudo já estiver extinto. Então, essa lasquinha será apenas um punhado de poeira desmanchando-se em nada lá no fundo do abismo.
João está arrepiado. Pedro tem até uma tremedeira arrepiante e põe a culpa no frio! Mas, os dois já sabiam que Antonio, além de entendido na criação de ovelhas, era também metido a filósofo!
- Mais uma cachacinha, João – brincou Pedro – porque, pelo jeito, o Tonico vai exagerar na dose.
- Fica quieto, Pedro, vamos ouvir!
- O Homem está sempre de olho nas misteriosas estrelas à procura de significados...
- E cadê Deus?
- Não sei, Pedro!
- E a novidade, cadê?
- Fica quieto aí, Pedro, não enche o saco!
- Como não há limites para o pensamento ou para a imaginação - Antonio explica - imaginemos um ser fora do universo, cujos batimentos cardíacos sejam de um pulso a cada dez mil anos.
- O quê? Dez mil anos se passam a cada batida do coração desse sujeito?
- Mil, ou dez, ou cem mil! É apenas uma conta redonda que nos dá uma ideia do tamanho desse ser e mostra-nos que ele está eternamente parado.
- Caramba!
- Imaginemos também que num dia qualquer lá do seu mundo, esse ser resolve fazer uma experiência.
- E aí, João, você...
- Vamos ouvir, Pedro! Se precisar, amanhã a gente interna o Tonico!
- Construiu uma esfera transparente e, lá dentro, no centro, pendurou uma bola compactada com os elementos naturais do seu mundo, fechou a esfera e fez a bola explodir. A explosão espirra pedaços da bola e de seu conteúdo por toda a esfera, ricocheteiam nas paredes, provocam o caos onde nada existia. O turbilhão, arrastando lascas de diversos tamanhos, girando com rapidez, vai criando distâncias entre as lascas, que às vezes se encontram e se partem, se juntam ou se desfazem. O ser observa o redemoinho, mas não pode distinguir que entre os grãos de poeira que ele vê existem espaços, e num deles está a Via Láctea.
- Meu Deus!
- Meu também!
- Num espaço menor ainda, dentro da Via Láctea, o Sol brilha e aquece todo o seu sistema e vai girando a duzentos e cinquenta quilômetros por segundo.
- Por segundo?
- Todos esses astros aí em cima são grãos de poeira girando com tudo o que vai sobrando da grande explosão. E todo o pelotão, furiosamente girando, está cada vez mais perto do ralo, da bocarra do Buraco Negro, e terminará num amontoado de pó, compacto, que se acomodará no fundo da esfera!
- É tudo brincadeirinha sua, né, Tonico?
- O mundo vai acabar, mesmo? – pergunta João.
- Vai, mas, não se preocupe, porque quando o mundo acabar todo ser vivente já estará extinto há muito tempo! E depois de toda essa revolução, o nosso ser imaginário vai limpar a esfera e mandá-la para reciclagem. Ou, talvez, repetirá a experiência por causa de algum ponto que não ficou claro para ele.
Antonio, Pedro e João, bucólicos filósofos, descansando em volta da fogueira depois de um dia inteiro apascentando suas ovelhas, examinam o céu novamente, já quase se despedindo dele. João segue embasbacado, Pedro ataca.
- A Bíblia diz que Deus pronunciou as palavras divinas e o som reverberou, vibrou, por todos os lados, forte o bastante para criar o mundo visível e invisível!
- As divinas palavras, Pedro, podem ser entendidas como o som da explosão que ainda vibra, construindo e destruindo mundos. A imaginação do homem é ilimitada, e foi essa mesma imaginação que criou os deuses, e depois criou o próprio Deus!
Os três cães pastores se levantam, assustados, farejando algum lobo rondando o aprisco.
Praia Grande, SP, 24 de outubro de 2023
Edmir Bergamini
Enviado por Edmir Bergamini em 24/10/2023
Alterado em 29/10/2023