Os Carijós avistaram uma estranha canoa. Com ela vinham pessoas cobertas com peles de bichos que não conheciam e muitos pelos na cara! Uma dessas pessoas saltou da canoa, sentou-se numa pedra, observou a canoa voltando para o navio, abaixou a cabeça e chorou. Levantou-se, examinou a exuberância da floresta.
     Cosme Fernandes Pessoa, homem culto, judeu, cristão novo, desembarcou em Cananeia, litoral sul de São Paulo, por volta do ano de 1500, para cumprir sua pena de degredado político.
     Os carijós em silêncio, aos poucos, com medo talvez, começaram a aparecer no limiar da mata. Cosme tremeu e recuou. Destacou-se o chefe, fez um sinal de paz ofereceu-lhe uma flecha festiva enfeitada de variadas cores e lhe deu as boas-vindas.
     Cosme tornou-se, ao longo dos primeiros 30 anos do descobrimento, senhor do litoral sul de São Paulo e um bem-sucedido traficante de índios. Arrecadou muitos amigos, degredados como ele, portugueses ou espanhóis, náufragos, desertores e mais todos que iam chegando por ali. Arrecadou, também, muitos inimigos! Ergueu um forte, um estaleiro, um porto para o tráfico de escravos nativos e para abastecer com víveres e suprimentos os navios que por ali passavam.
     - Pois não, meu capitão, temos tudo o que precisa para abastecer suas naus e sua tripulação.
     Expedições espanholas que iam para o sul em busca do rio da Prata para chegar aos fantásticos tesouros dos Incas, eram abastecidas por Cosme, que negociava com informações, escravos e os produtos da terra.
     - Se o senhor me der homens e armas para uma expedição por terra, voltarei com 400 escravos carregados de ouro e prata.
     Martim Afonso de Souza, que também veio em busca das riquezas da terra recém-descoberta, aceitou a proposta de Francisco de Chavez, genro de Cosme. Com Chaves como guia e Pero Lobo, um dos capitães de Martim Afonso, como comandante, a expedição partiu em busca do tesouro prometido. Entraram na mata por antigos caminhos indígenas com o objetivo de atacar o Império Inca distante dois mil quilômetros de Cananeia. Foram massacrados pelos índios guaranis às margens do rio Iguaçu, no Paraná.
     Intrigantes levaram Martim Afonso a acreditar que o massacre fora planejado por Cosme e seus amigos espanhóis e que na verdade, Cosme não prestava obediência à Coroa portuguesa.
     Martim, donatário da Capitania de São Vicente, depois de muito procurar e não ter encontrado nem vestígios de ouro e prata, voltou para Portugal, deixando Pero de Góis, outro seu capitão, para comandar a Capitania e vigiar o Cosme.
     Gois mandou recado: “Senhor Cosme, entregue-se, é melhor para o senhor e para os seus. E avise os espanhóis, que aí vivem, que se retirem de Cananeia e partam para o sul, para o seu território. Aqui é Portugal! Mandei avisar, mas já estou saindo de São Vicente para obrigá-los a cumprir a ordem”.
     Cosme devolveu o mensageiro com a seguinte resposta: “Senhor Pero de Góis, jamais me entregarei ao senhor ou a quem quer que seja. Já sou um condenado, um degredado, e agora, depois de 30 anos considero-me um nativo desta terra. E diga ao senhor Martim Afonso que ele está enganado comigo. Nunca mandaria índios massacrarem expedições, mesmo portuguesas. Passe bem, senhor, cuide-se”.
     Cosme e seus amigos espanhóis, mais 150 índios flecheiros, e outros europeus descontentes prepararam-se para receber Pero de Góis. Sequestraram a artilharia de um navio francês que se abastecia em Cananeia, construíram trincheiras e esperaram. Houve o embate, Pero de Góis foi ferido, oitenta portugueses morreram.
     - Agora, rumo a São Vicente. Tenho que cobrar pessoalmente algumas coisinhas que me roubaram.
     Então, após o sequestro de mais uma nave francesa, Cosme e seus coligados invadiram, saquearam e incendiaram São Vicente.
     Esse conflito fez com que os portugueses procurassem alianças com tribos tupiniquins, tabajaras e tapuias, atacassem Cananeia e Iguape, forçando Cosme e os espanhóis a se retirarem mais para o sul, para a região do Rio da Prata, até Buenos Aires, e daí sumiram das vistas portuguesas.

Praia Grande,  SP,  20/11/2023