Bicho no corpo inteiro
Meninote, procurava briga por qualquer motivo, brigas quase diárias que foram a primeira causa que surtiria os efeitos em cascata.
- Parece que está sempre com o bicho carpinteiro!
Sua última façanha, aos trinta anos de idade, foi um trabalhinho fácil e de bom pagamento. Apenas resolver o caso de um infeliz que estrava botando alguns chifres na honesta cabeça de um fazendeiro.
Viveu sua adolescência aos trancos e barrancos. Lá pelos seus vinte anos de idade, a vida transcorrendo sem maiores complicações, seu irmão mais novo veio lhe dizer que o homem do circo xingou-o e que lhe havia dado um tapa na cara!
As brigas anteriores cutucaram sua mente e ele foi acertar as contas com o agressor, um homem forte e bigodudo, que confirmou a história do garoto.
- Ele queria entrar de graça, por baixo do pano e foi muito malcriado comigo, por isso ele apanhou. E você, vai querer apanhar também?
Ah, essas frases irônicas, essas frases soltas em momentos tão inoportunos! A pergunta do homem do circo foi suficiente para o Diogo briguento entrar em cena. Pegou um chicote, que deveria ser do domador de leões do circo, e lascou algumas lambadas no lombo do homem, sem dó nem piedade, antes que o coitado pudesse esboçar qualquer reação. Indignado, o chicoteado se ia munindo de um estilete, que deveria ser do atirador de facas, mas, Diogo mais rápido, muniu-se ele próprio da arma, cravou-a no peito do homem. Crime em legítima defesa foi o veredicto.
A primeira causa, aquela das brigas gratuitas, liberou seu efeito, que por sua vez se tornou causa, e foi em frente, cumprindo sem nunca cessar, a lei de causa e efeito.
Depois aconteceu que um daqueles moços, cheios de ímpeto, seduziu uma prima muito querida. Cento e cinquenta anos atrás, ali por volta de 1870, o moço era obrigado a arcar com as consequências de tal ato, casar-se pelo menos, na frente do delegado, ou apanhar muito da família enlutada. O moço ignorou tal obrigação, zombou da menina, e fugiu para a cidade vizinha.
- Eu pego esse cachorro onde ele estiver!
Diogo foi procurar e achou o impetuoso moço, encheu-o de tantas pancadas que o pobrezinho ficou com os ossos todos moídos, e assim foi enterrado. Agora o veredicto foi de crime em defesa da honra, como era o costume naqueles tempos.
E novamente aconteceu que numa noite no cabaré da cidade, a sina, sempre consultando o seu código de causa e efeito, não contente com o que aprontara até então, fez um incauto sentar-se em cima de um chapéu novo de Diogo, que ele deixara sobre uma cadeira, enquanto dançava. O distraído, sem mesmo perceber o que acontecia, já tinha levado um sopapo no meio da cara que o deixou meio zonzo. Quis revidar, levou outro. Pegou a cadeira onde estava o chapéu e sapecou-a na cabeça do Diogo. O distraído morreu com a velha prática da faca enterrada no peito. Desta vez foi condenado, mas logo estava no mercado novamente.
Mudou-se para uma cidade respeitada como centro cafeeiro, infiltrou-se com os coronéis e barões do café. Naquele final do século 19, no interior de São Paulo, os coronéis, que nem a sargento sequer tinham sido promovidos, ordenavam que se cumprisse seus caprichos e todos tinham que se virar para cumpri-los. Principalmente Diogo que executava as precisas ordens, virando o matador da Província.
Diogo começou a ser caçado pela polícia do Estado porque, desta vez, a vítima foi o filho de um respeitável homem público. A derradeira causa apresentou o efeito final. Teve que se embrenhar na selva que cercava as margens do rio Tietê, arrastando-se pelo mato, sempre escapando da captura, até que foi delatado por um pescador que o conhecia muito bem.
A patrulha ficou de tocaia no outro lado do rio onde Diogo se escondera. Quando ele pôs a cabeça para fora da touceira uma enfileirada de balas quase corta seu corpo pelo meio. Rodopiou com os impactos e mergulhou nas águas do Tietê. Nunca mais apareceu, nem para ser enterrado.
Praia Grande, SP, 03/12/23
Edmir Bergamini
Enviado por Edmir Bergamini em 03/12/2023